Oração e Trabalho

30.08.2011

Oro a Deus como se esperasse tudo d’Ele, mas trabalho como se Ele esperasse tudo de mim.

S. TOMÁS DE AQUINO, OP

Proclamar a Comunidade

28.08.2011

A primeira vez que li numa celebração eucarística foi no dia 4 de Setembro de 2010. Lembro-me como se fosse hoje. Estava na Sé Nova de Coimbra a meditar sobre os mistérios em silêncio, quando o sr. Rafael se aproximou de mim e me convidou para ler a primeira leitura do Antigo Testamento (do livro da Sabedoria) e o salmo.

Este convite vindo de alguém que não me conhecia, que me acolheu, foi comovente. Foi a demonstração cabal da dimensão comunitária da fé cristã, que se alarga com as viagens que fazemos, com as igrejas que visitamos, com os encontros que vão tecendo a nossa existência e fazendo a nossa história — a Igreja é sempre maior do que pensamos.

Entretanto, já li diversas vezes. Participar na Liturgia da Palavra como leitor é uma grande responsabilidade. Cabe-nos a nós proclamar a Palavra de Deus e nesse gesto proclamar a comunidade que é a Igreja, um corpo que lê, escuta, reflecte, responde, é atravessado e transformado pela vida das palavras, isto é, que encontra nelas a fonte de uma nova vida.

Saint Catherine of Siena, Doctor for the Church

26.08.2011

[L]ove transforms one into what one loves.
ST. CATHERINE OF SIENA, OP, The Dialogue

In a general audience in 2010, Benedict XVI said of Catherine of Siena:

Many put themselves at Catherine’s service and above all considered it a privilege to receive spiritual guidance from her. They called her “mother” because, as her spiritual children, they drew spiritual nourishment from her. Today too the Church receives great benefit from the exercise of spiritual motherhood by so many women, lay and consecrated, who nourish souls with thoughts of God, who strengthen the people’s faith and direct Christian life towards ever loftier peaks.[1]

Benedict XVI calls The Dialogue [of Divine Providence] “a masterpiece of spiritual literature”.[2] Many magisterial documents of the Holy See mention her, such as Mulieris Dignitatem, an apostolic letter by John Paul II on the dignity of women, or Sacramentum Caritatis, a post-synodal apostolic exhortation by Benedict XVI on the sacrament of the Eucharist.

François-Marie Léthel, a member of the Pontifical Academy Theology writes “Catherine was, together with Teresa de Ávila, the first woman to be declared a Doctor of the Church in 1970, yet the ecclesial reception of her doctorate is still not fully complete, especially in the world of academic theology.”[3] Despite the publication of Thomas McDermont’s study, Catherine of Siena: Spiritual Development in Her Life and Teaching,[4] where I first read Léthel’s passage, there is still a lot of work to do. Perhaps if more Christian theologians read her words, simply read them, they would be absorbed and transfigured by them and devote their time to the study of what she lovingly left for us — their love for God transformed into their love for Catherine and for her writings, given how her life and verbal expression mirror each other. She was declared a Doctor of the Church, that is, a theologian regarded as particularly authoritative. Yet, through her actions and works, she is also a Doctor for the Church, for a more united and devoted Church. A Church always yet to come, but that we are called to build in her company.

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[1] Benedict XVI, General Audience of 24 Nov. 2010, par. 11, http://www.vatican.va/holy_father/
benedict_xvi/audiences/2010/documents/hf_ben-xvi_aud_20101124_en.html
.

[2] Ibid., par. 7.

[3] François-Marie Léthel, OCD, “Preface to Emanuele Massimo Muso’s ‘Gesù dolce, Gesù amore: Il Cristo di Caterina da Siena’” (STD diss., Pontificium Institutum Spiritualitatis Teresianum, 2005), vi.

[4] Thomas McDermont, OP, Catherine of Siena: Spiritual Development in Her Life and Teaching (Mahwah, NJ: Paulist Press, 2008).

Deus Convida à Solenidade

25.08.2011

Apenas sei que caminho como quem
É olhado, amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco
SOPHIA DE MELLO BREYNER, “Escuto”

Deus convida à solenidade. A solenidade deve ser entendida, não como afectação, um modo de dizer ou de fazer forçado, mas como entrega e atenção. A raiz da palavra é sollus, “inteiro”. Ser solene é assim estar inteiramente nas nossas acções. É por isso que Sophia de Mello Breyner liga a solenidade ao risco. Caminhamos sentindo que somos olhados, conhecidos, amados — e somos desafiados a arriscar devolver esse cuidado, esse amor, sem reservas.

Entrevista a José Augusto Mourão

23.08.2011

Em 2003, Maria João Seixas entrevistou José Augusto Mourão. A entrevista está disponível na íntegra aqui. Guardo muitas palavras de uma conversa que nos interpela sem deixar de ser profundamente pessoal — palavras como estas:

Cristo não veio eliminar a Terra e impor o Céu. Cristo, e esse é o mistério da Encarnação, veio fazer a ponte entre dois mundos, sem abolir nenhum dos pólos que os erguem. Na homilia é disso que se deve dar testemunho. É preciso tornar a Palavra presente à vida, interactiva, mesmo quando se convida os fiéis a reflectir em silêncio sobre ela.

Hoje e Todos os Dias

20.08.2011

Faz hoje um ano que eu e a F. celebrámos o sacramento do Matrimónio, que é entendido na Igreja como um sacramento de vocação (o outro é o sacramento da Ordem). É uma união que, na prática dos votos que professámos um ao outro, nos aproxima de Deus. Na altura, uma das passagens que escolhemos para leitura foi este cântico do amor de Paulo, o apóstolo arrependido, incluido na primeira carta aos Coríntios (13):

Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver amor, sou como um bronze que soa
ou um címbalo que retine.

Ainda que eu tenha o dom da profecia
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas,
se não tiver amor, nada sou.

Ainda que eu distribua todos os meus bens
e entregue o meu corpo para ser queimado,
se não tiver amor, de nada me aproveita.

O amor é paciente,
o amor é prestável,
não é invejoso,
não é arrogante nem orgulhoso,
nada faz de inconveniente,
não procura o seu próprio interesse,
não se irrita nem guarda ressentimento.

Não se alegra com a injustiça,
mas rejubila com a verdade.

Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.

O amor jamais passará.
As profecias terão o seu fim,
o dom das línguas terminará
e a ciência vai ser inútil.

Pois o nosso conhecimento é imperfeito
e também imperfeita é a nossa profecia.

Mas, quando vier o que é perfeito,
o que é imperfeito desaparecerá.

Quando eu era criança,
falava como criança,
pensava como criança,
raciocinava como criança.
Mas, quando me tornei homem,
deixei o que era próprio de criança.

Agora, vemos como num espelho,
de maneira confusa;
depois, veremos face a face.
Agora, conheço de modo imperfeito;
depois, conhecerei como sou conhecido.

Agora permanecem estas três coisas:
a fé, a esperança e o amor;
mas a maior de todas é o amor.

Deus Escondido

10.08.2011

onde estás, Deus libertador,
que nos perguntam por ti e não te vemos?
Deus escondido, onde estás?
devemos procurar-te entre os destroços,
a cinza e as mãos cortadas como canas verdes,
ou à frente das batalhas,
entre os que caminham como o vento
e as folhas das plantas, sensíveis à luz,
entre os que vão de cabeça alta e regressam
da servidão do saco e do tijolo
os que acordados vêm,
os pés recentemente desatados,
a língua solta?
Deus escondido, onde moras?
devemos procurar-te entre os que fizeram o êxodo
e começaram a amar,
os que morrendo a si já ressuscitam
os que rompem as muralhas da pele e pedem água?
devemos procurar-te naqueles que sobem à montanha
para molhar as mãos de luz e transfigurar-se?
(na solidão dos montes apalparei a tua face?
na limpidez dos rios e nas palavras
com que que fizeste o mundo verei a tua mão correndo?)
onde devemos esperar-te, Deus da surpresa
e como nós trânsfuga?
Deus dos que não têm voz nem barcos
para na albufeira olhar a alma
a crescer como a sombra dos pinheiros
anoitece a alma e o rio,
Deus gratuito, onde estás?
devemos procurar-te na poesia e no canto,
no amor e na beleza,
na barraca e no lixo?
onde apareces, Deus amigo dos pobres,
onde te acharemos, Deus libertador?

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “Deus Absconditus”

Prayerful Poetry

06.08.2011

The silence of God is God.
CAROLYN FORCHÉ, The Angel of History

I found Carolyn Forché’s poetry by chance. It was an exhilarating discovery — and I alluded to her book The Angel of History in a proposal for a conference paper on Roberto Rossellini’s cinema and Walter Benjamin’s philosophy of history. She is one of most distinguished American living poets also known for her humanitarian and social work. Forché has taught at Columbia University and other institutions and is the director of the Lannan Center for Poetics and Social Practice at Georgetown University. You can read some of her poems and essays here. This is one example of her poetic work, “Prayer”:

Begin again among the poorest, moments off, in another time time and place.
Belongings gathered in the last hour to be taken, visible invisible:
Tin spoon, teacup, tremble of tray, carpet hanging from sorrow’s balcony.
Say goodbye to everything. With a wave of your hand, gesture to all you have known.
Begin with bread torn from bread, beans given to the hungriest, a carcass of flies.
Take the polished stillness from a locked church, prayer notes left between stones.
Answer them and in your net hoist voices from the troubled hours.
Sleep only when the least among them sleeps, and then only until the birds.
Make the flat-bed truck your time and place. Make the least daily wage your value.
Language will rise then like language from the mouth of a still river. No one’s mouth.
Bring night to your imagingings. Bring the darkest passage of your holy book.

O Horizonte da Santidade

05.08.2011

Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.

SOPHIA DE MELLO BREYNER, Retrato de Mónica

Contudo, fizemos da santidade uma coisa tão extraordinária, abstrata e inalcançável, que quase não ousamos falar dela. Muito menos no espaço público. De certa forma, habituámo-nos a olhar para a experiência cristã como que acontecendo a duas velocidades: o caminho heróico dos santos e a frágil estrada que é aquela de todos os outros, e por maior razão a nossa. Ora esta conceção de santidade não pode estar mais longe daquilo que a tradição cristã propõe, pela qual pugnou e pugna. O Concílio Vaticano II, por exemplo, deixa bem claro: a santidade é vocação mais inclusiva e comum. Mas é preciso entender de que falamos quando falamos de santidade.

Bastar-nos-ia certamente ler as bem-aventuranças. Jesus não diz que os bens aventurados são os outros, os que não estão ali. Jesus olha para a multidão e começa a dizer: “bem-aventurados vós os pobres”, “bem-aventurados vós os aflitos”, “bem-aventurados vós os misericordiosos”. O quê que isto quer dizer? Que são, no fundo, as nossas pobrezas, fragilidades, aflições, mansidões, procuras de justiça, sedes de verdade, a nossas buscas por um coração puro, que dão a substância da bem-aventurança, a matéria da santidade.

É naquilo que somos e fazemos, no mapa vulgaríssimo de quanto buscamos, na humilde e mesmo monótona geografia que nos situa, na pequena história que dia-a-dia protagonizamos que podemos ligar a terra e o céu. Falar de santidade em chave cristã passou a ser isso: acreditar que a humanidade do homem se tornou morada do divino de Deus.

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, “De Que Falamos Quando Falamos de Santidade”

O Claro Escuro do Teu Nome

03.08.2011

Deus nas fronteiras deste mundo,
Deus que cruzamos como as sombras,
dá-nos um corpo de desejo
e um ouvido de começo,
fica connosco Deus que passas
e nossas mãos te larguem,
Deus confundido com a sede,
e as palavras que dizemos,
vem alterar o nossos corpo,
vem confundir a nossa fome,
Deus da palavra,
flor do vento,
manhã que vem em Jesus Cristo.

Dê-te prazer o nosso canto,
Deus das manhãs azuis e rosa,
que o nosso corpo te anuncie qual fonte,
rio ou chaga aberta,
que nossas mãos persigam o teu passar escondido.

Deus invisível para os olhos,
palavra solta, luz que passa,
é neste tempo que dizemos o claro escuro do teu nome,
onde é secreta a tua face e o teu passar adivinhado.

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “Nas Fronteiras deste Mundo”