Poemas de Advento (4)

23.12.2012

Na fidelidade sem quebras de Maria,
no seu amor humilde e inesgotável de fonte que escorre,
na sua fé serena mas ardente de labareda que se alteia,
na sua vida que foi como um barco confiado à vontade do mar,
há um apelo para nós.

Às vezes, demasiadas vezes,
a vida assemelha-se a uma repartição cinzenta,
onde os horários se cumprem sem empenho.
Estamos, mas sem compromisso íntimo.
Falamos e fazemos,
mas sentindo o nosso interesse noutro lado.
Vivemos, claro, mas com o coração distante.

Como é necessário tornar realmente úteis
os dias úteis!

Úteis não apenas por imposição do calendário.
Úteis, porque vividos com generosidade e sentido.
Úteis, porque não os atropelamos
na voragem das solicitações,
na dispersão das coisas,
mas sabemos (ou melhor, ousamos) fazer deles
lugar de criação e descoberta, tempo de labor e de escuta,
modo de acção e de contemplação.

É preciso acolher o “inútil”
se quisermos chegar ao verdadeiramente útil.

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, “Apresentação”