Cruzes, Credo

27.11.2013

No domingo passado, o bispo de Coimbra, Dom Virgílio Antunes, encerrou um ano dedicado à fé com palavras que só agora tive oportunidade de ler. Disse ele que os cristãos devem ajudar “os homens e mulheres nossos irmãos a acolher e aceitar a sua própria cruz como caminho de redenção” e que “[u]m dos grandes obstáculos à fé está na dificuldade que todos temos de aceitar a nossa cruz, por nos parecer uma negação da nossa grandeza humana.” Aprendi com teólogos da libertação como o dominicano Gustavo Gutiérrez que uma fé cristã que não envolva uma prática de transformação do mundo é idealista. Fecha os olhos à realidade em que nos situamos. Contribui para a manutenção e fortalecimento de poderes opressores como os que mataram Jesus. É precisamente por isso que o sofrimento na cruz nos interpela e nos leva a afirmarmos, nas palavras e nos actos, que este sofrimento não é aceitável nem desejável, que é necessário trilhar um caminho diferente — que não surgirá sem a nossa abnegação, claro está. Num tempo em que tantas pessoas sofrem em Portugal, em situação social se agrava, Dom Virgílio decidiu de alguma maneira ignorar o pranto que se ouve nas ruas e que se instalou no dia-a-dia por entre a dor e a vergonha. Não há nada de errado no ensinamento, porque toda a gente enfrenta dificuldades e tribulações, de uma forma ou de outra, e Cristo está connosco e nós com Cristo quando lidamos com elas. Seja como for, o ensinamento tem de ser adaptado ao tempo no qual é articulado para dar poder dar fruto. Sem esse cuidado, pode ser entendido como a afirmação da passividade como virtude ou como um elogio do masoquismo.