O Lume nos Olhos

30.03.2014

A partir de 1Sam 16,1b.6-7.10-13a, Ef 5,8-14, e Jo 9,1-41:

Há vozes que podem parecer estranhas, afastadas da nossa existência presente. Esta fala-nos de um guardador, ocupado e dedicado, que é ungido. Fala-nos da relação entre o coração e a aparência, isto é, entre a nossa humanidade e o modo como ela se manifesta. Paulo, inspirado por Isaías, vem repetir um apelo vital: “Desperta, tu que dormes; levanta-te do meio dos mortos.” Há vozes portuguesas que se encadeiam com esta, como a da letra de José Gomes Ferreira para o “Acordai”: “Acordai homens que dormis a embalar a dor / a embalar a dor dos silêncios vis / vinde no clamor das almas viris / arrancar a flor que dorme na raiz”. Os acordados fazem gestos iluminados pela consciência e iluminadores das consciências. A primeira coisa a fazer nesse caminho talvez seja rejeitar a ideia de castigo divino, tal como escutamos no Evangelho. Em vez do ser humano castigado, o que irrompe é um juízo sobre a vida e o que a nega: por isso, se diz, que os que não vêem ficarão a ver e os que vêem ficarão cegos. O que é pecar, então? Não ver? Não. É fechar os olhos, num gesto de alheamento. “Como foi que se abriram os teus olhos?”, pergunta-se. E eis que se percebe que o ungido não é quem foi ungido, mas quem unge a vista, ajudando a descoberta do lume nos olhos.