Ascender

02.06.2014

A partir de Act 1,1-11, Ef 1,17-23, e Mt 28,16-20 — e a matutar numa passagem de O Desespero Humano de Søren Kierkegaard (“se é uma vantagem, por exemplo, poder-se ser o que se deseja, maior ainda é sê-lo, ou seja, a passagem do possível ao real é um progresso, uma ascensão”):

A Festa da Ascensão, não é a Festa do Ascendido. Daí que surja esta pergunta cortante: “Homens da Galileia, por que estais assim a olhar para o céu?” Quem se fixa no céu perde de vista o movimento ascensional, não de superioridade, mas de plenitude do que se faz e do que se é. A elevação é um desejo humano e do humano. É uma aspiração feita esperança de uma humanidade que se vai fazendo e desenvolvendo ao se erguer, ao rejeitar o que a abate e enfraquece. Nesse sentido, Cristo está destinado a ascender tal como nós estamos, erguendo-nos vindos da terra viva (humus). Diz Jesus aos apóstolos que do futuro nada saberão, que no fundo esse futuro está por fazer, mas promete uma força que desce sobre eles à medida que ele se eleva. Forças moventes e dialógicas, a verdade é que não nos levantamos sem uma firmeza que nos estabilize no calcamento do solo. Em cada domingo é celebrada a ressurreição, mas também a ascenção, porque somos em simultâneo convidados a renascer e a deixar a condição de caídos, subjugados, e vencidos. A poetisa brasileira Adélia Prado fala-nos desta relação entre as esperanças de ressuscitar e de ascender no poema “Leitura”: “Eu sempre sonho que uma coisa gera, / nunca nada está morto. / O que não parece vivo, aduba. / O que parece estático, espera.”