Assim Também Estamos Nós

21.02.2021

Este tem sido um tempo desafiante, mas também um tempo que nos põe a pensar sobre os desafios de que nos esquivamos na lufa-lufa diária e no comodismo espiritual. O espaço do religioso sempre foi para mim um lugar de encontro, com Deus mas também com os outros — particularmente, os membros da comunidade religiosa que integro. Não desligo uma coisa da outra, tal como Jesus não separou o amor a Deus do amor ao próximo (Mt 22,37-39).

Ora, os encontros presenciais para nós, dominicanos leigos, têm-se tornado difíceis, quando não impossíveis, até por uma questão de cuidado em relação a alguns dos seus membros. Nada de diferente do que tem acontecido noutras dimensões da nossa vida. Este ano não teremos o nosso habitual Retiro Quaresmal, que é um dos momentos que marcam a minha caminhada como cristão em cada ano. Em 2020, ainda o conseguimos fazer, mesmo antes do confinamento. O Conselho Provincial das Fraternidades Leigas encontrou forma de colmatar esta falta em 2021, graças a Deus, Cristina e Francisco.

Mas estamos numa espécie de deserto. Como não deixar que a aridez corroa o nosso coração? No Evangelho de hoje, o I Domingo da Quaresma, lê-se que o Espírito Santo conduziu Jesus ao deserto, onde foi tentado. Na teologia hebraica, o deserto é o lugar privilegiado do encontro com Deus (Ex 19,1-2), mas costuma ser um sítio de onde fugimos. O Espírito empurra-nos para lá, mas evitamos esse confronto. Temos a comunidade que integramos, a igreja onde vamos, o padre que nos ouve em confissão, o terço que pegamos para rezar, as imagens que recentram a nossa fé, as pessoas com quem desabafamos, e tudo isso nos dá a segurança necessária no caminho acidentado que vamos fazendo em Igreja. No entanto, é preciso que tal não cubra ou obscureça o deserto que está na raiz da pregação.

A experiência do deserto é a vivência nua da fé, sem subterfúgios. A nossa fé não é um dado adquirido: é um campo de batalha. Sendo agredida e posta à prova, poderá sair fortalecida apenas na medida em que a nossa fortaleza venha da força do Evangelho que Jesus revelou em palavras e acções, no encalço de Deus, tão íntimo do que é ser humano. Jesus estava só, mas não estava sozinho, abandonado, desamparado. Assim também estamos nós. Alegremo-nos!