Igreja do Pecado e da Santidade

01.09.2018

Na recente carta sobre os abusos sexuais de menores por parte de padres e bispos da Igreja Católica entre as décadas de 1940 e 1980, o Papa Francisco fala de uma “cultura de morte” e aponta o clericalismo como uma das raízes da actual crise. Lê-se nesse documento: “É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação activa de todos os membros do Povo de Deus. Além disso, toda vez que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas.”

O relatório do júri da Pensilvânia reconhece os progressos alcançados com medidas implementadas na Igreja. Mas não chega. O papel dos leigos é fundamental para que essa cultura não seja promovida, como aconteceu no processo desencadeado pela investigação do Boston Globe no início da década de 2000. A vertente mais perversa do clericalismo criou obstáculos à denúncia dos crimes, à protecção e apoio das vítimas, mantendo os abusadores a salvo da justiça porque não se queria confrontar membros da hierarquia (quando devem prestar contas do seu serviço) ou não se queria “manchar” a Igreja (quando a mancha já existia e foi alastrada). Esta é também uma crise de opacidade e abuso de poder. A Igreja não existe por si e para si, mas por causa do e para o Evangelho. Protegê-la da verdade é uma mentira sem futuro.

Podemos discutir se o celibato deve ou não ser obrigatório para padres e bispos. Considero que devia voltar a ser uma escolha individual. Mas associar essa obrigatoriedade à pedofilia é absurdo por dois motivos: arreda essa perversão do campo da saúde mental e escamoteia o facto de a maior parte dos casos de pedofilia acontecerem no espaço familiar sem que esses abusadores sejam celibatários. O que é certamente necessário é apertar e aperfeiçoar o escrutínio de quem pretende entrar para o seminário.

É preciso saber o que nos move, no mais profundo de nós mesmos. Os séculos estão povoados de escândalos e crises na Igreja. Cremos na Igreja santa, mas ela não é santa por causa da santidade dos seus ministros ordenados ou de outros elementos da Igreja. Ela é santa por causa de Cristo. É Cristo que a santifica. Não fazemos parte da Igreja por causa desta ou daquela pessoa, deste ou daquele membro, mesmo do Papa, bispo de Roma, primeiro entre pares. Não a abandonamos pela mesma razão. Estamos na Igreja porque estamos unidos em Cristo — e é com essa força que superaremos esta crise para nos mantermos fiéis àquilo que nos faz comunidade eclesial.