Eis um testemunho de fé e de como “se ela não tiver obras, está completamente morta” (Tg 2,17), ainda que fique de fora do discurso de Êrnani Lopes a discussão concreta das obras e dos seus propósitos:
Maria João Alexandre (MJA): Onde vai buscar essa energia de quem nada tem a perder?
Êrnani Lopes (EL): Em bom rigor, não dou por isso. Tenho uma visão muito distanciada — sobretudo, nos últimos anos — muito mais profunda da vida, pela única razão de que estive quase morto. A minha vida foi salva por uma das minhas filhas, quando percebeu que eu ia morrer e me levou para o IPO. Estive um mês e meio sem saber se morria, se ficava vivo. Hoje, olho para as coisas com um distanciamento e uma profundidade maiores. Sei desde há muitas décadas e verifico, permanentemente, que o Homem é o único ser vivo que tem a capacidade de trabalhar conscientemente, porque todos os outros ou não trabalham ou trabalham por instinto (as abelhas, as formigas) ou à força (o burro na nora ou na carroça). Nós trabalhamos conscientemente, uns com mais gosto, outros com menos. É inequívoco para mim que o Homem com essa capacidade é o único ser vivo que pode colaborar na obra da criação. Sendo certo que esta obra não é um ponto de partida, é algo que se constrói ao longo do tempo. Quando trabalhamos, temos a consciência de que estamos a cooperar na obra da criação.
MJA: O que acaba de dizer é absolutamente fascinante...
EL: Isto é o trivial da minha vida.
MJA: De trivial é que esse raciocíonio não tem nada...
EL: O primeiro ponto é o modo de ver as coisas. Quando trabalhamos, se temos essa consciência, estamos a contribuir para aperfeiçoar o mundo e a nós próprios. O trabalho não é um peso, é um acto de dimensão espiritual absoluta, porque estamos a cooperar com Deus. Eu não preciso de mais nada. Basta olhar para o mundo e compreendê-lo.[1]
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[1] Maria João Alexandre, “Ernâni Lopes: O Guru da Nação”, Cx: A Revista da Caixa 2 (2010): 58-59 (ed. minha).