A Coragem e a Meta

30.06.2014

A partir de Act 3,1-10, Gal 1,11-20, e Jo 21,15-19:

Lemos num dos ditos dos padres do deserto: “Perguntaram a um ancião ‘Porque me acontece, constantemente, perder a coragem?’ E ele respondeu: ‘Porque ainda não descortinaste a meta.’” Das mortes de Pedro e Paulo se teceu a comunidade cristã, mas apenas na medida em que as suas vidas foram dadas por muitas e muitos, seguindo o gesto de Cristo. O Evangelho segundo João narra Jesus a dizer: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (15,13). Um amigo não ter de estar necessariamente por perto, mas está na mesma esfera, no mesmo projecto. Tiago é executado à espada. Pedro é encarcerado. A narrativa não fala do destino dele, que Orígenes no séc. III descreve como tendo sido o da crucificação de cabeça para baixo em Roma. Fala da sua libertação da ansiedade causada por um destino que lhe é imposto. Na carta a Timóteo, escrita por Paulo pouco antes da sua morte, quando estava preso em Roma, o apóstolo escreveu: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé.” Roma tornou-se um lugar central para os cristãos, não por causa do Vaticano que só surgiu muitos séculos depois, mas precisamente porque relembra a perseguição, o sofrimento, e a condenação à morte dos primeiros cristãos pelo Império Romano na sua capital. Inúmeras vidas foram ceifadas ao longo dos séculos, de pessoas religiosas e sem religião, agindo vezes sem conta em estreita colaboração na procura da justiça e da paz que Jesus anuncia. Se continuamos a honrar a memória de Pedro e Paulo é porque somos continuadores do seu legado na senda de uma nova humanidade (Ef 4,23-24).

O Pensamento e Ação do Padre Abel Varzim no Mundo Laboral

24.06.2014

Ascender

02.06.2014

A partir de Act 1,1-11, Ef 1,17-23, e Mt 28,16-20 — e a matutar numa passagem de O Desespero Humano de Søren Kierkegaard (“se é uma vantagem, por exemplo, poder-se ser o que se deseja, maior ainda é sê-lo, ou seja, a passagem do possível ao real é um progresso, uma ascensão”):

A Festa da Ascensão, não é a Festa do Ascendido. Daí que surja esta pergunta cortante: “Homens da Galileia, por que estais assim a olhar para o céu?” Quem se fixa no céu perde de vista o movimento ascensional, não de superioridade, mas de plenitude do que se faz e do que se é. A elevação é um desejo humano e do humano. É uma aspiração feita esperança de uma humanidade que se vai fazendo e desenvolvendo ao se erguer, ao rejeitar o que a abate e enfraquece. Nesse sentido, Cristo está destinado a ascender tal como nós estamos, erguendo-nos vindos da terra viva (humus). Diz Jesus aos apóstolos que do futuro nada saberão, que no fundo esse futuro está por fazer, mas promete uma força que desce sobre eles à medida que ele se eleva. Forças moventes e dialógicas, a verdade é que não nos levantamos sem uma firmeza que nos estabilize no calcamento do solo. Em cada domingo é celebrada a ressurreição, mas também a ascenção, porque somos em simultâneo convidados a renascer e a deixar a condição de caídos, subjugados, e vencidos. A poetisa brasileira Adélia Prado fala-nos desta relação entre as esperanças de ressuscitar e de ascender no poema “Leitura”: “Eu sempre sonho que uma coisa gera, / nunca nada está morto. / O que não parece vivo, aduba. / O que parece estático, espera.”