O cristianismo não produziu um saber propriamente falado sobre as origens e as transformações destes estados [nascimento, separação, frustração, falhas diversas—variantes do sofrimento] mas evidenciou-o em descrições de uma fineza inigualável, nos místicos sobretudo. O cristianismo diz-nos que o sofrimento humano é partilhável. Esta é a primeira revolução do cristianismo. Cristo, ao assumir o sofrimento, confere-lhe uma dignidade nunca vista; o sofrimento é igualmente partilhável entre os humanos que têm de o olhar em face, nomeá-lo e interpretá-lo. [...]
Jesus vem perturbar a ordem do medo e da expulsão instalada, o dispositivo religioso. Jesus precipita o tempo e desmascara os dispositivos que tudo justificam. Está próximo o Reino; é preciso que tudo se decida. A partir de Jesus, o mundo é um mundo em devir, orientado para o Bem, abençoado. Jesus diz que o sofrimento é inerente à reconciliação do humano e do divino. Não é imposto do exterior. O homem cristão é um homem de dor e de amor.
— JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “O Milagre de Existir”
_____________________