Estes três parágrafos de um estimulante estudo de João Vasco Fagundes dão que pensar, porque através do exemplo que ele recolhe de Hegel apontam com clareza para uma religiosidade entendida de modo materialista e dialéctica, isto é, uma religiosidade que emerge da história e nela se vai inscrevendo, decidindo, e significando:
No plano da materialidade, nenhum sistema se encontra fixado em qualquer das configurações que fáctica e positivamente ostenta nas diversa fases e tapas do seu devir. O processo de transformação historicamente determinado, através do qual os sistemas evoluem e se desenvolvem, é a verdade, é a realidade do seu ser.No plano do conhecimento, porque o inicial indeterminado não reflecte ainda o concreto real no seu desenvolvimento, a verdade não pode estar no princípio, mas sim no processo de elevação racional ao concreto espiritual, no saber do concreto na sua riqueza desenvolvida sempre em aberto.
É disso mesmo que Hegel nos fala quando, a propósito da “Ideia absoluta” enquanto universal concreto, recorre a uma comparação com dois modos da vivência religiosa: “a Ideia absoluta é, sob este aspecto [o de um universal concreto], de comparar com o ancião que diz as mesmas frases religiosas do que a criança, mas para quem elas têm um significado de toda a sua vida. Se também a criança entende o conteúdo religioso, para ela este vale, contudo, apenas como alguma coisa fora da qual ainda fica a vida toda e o mundo todo.”[1]
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[1] João Vasco Fagundes, A Dialéctica do Abstracto e do Concreto em Karl Marx (Lisboa: Grupo de Estudos Marxistas, 2014), 123.