A cruz ergue-se como encenação da injustiça. O inocente exibe a falta de todos. O que provocou a condenação do justo foi a sua justiça. O que causou o seu assassinato foi a sua vida exposta, nua de estratégias, desarmada. A sua palavra de verdade.
[...]
Não quero nada conhecer senão o Cristo crucificado. Aquilo a que Paulo chama a “palavra da cruz” (1 Co 1,18) evoca sobretudo o seu silêncio, o que se vê e se cala, a mensagem do que não fala, a verdade que escapa ao discurso. Que verdade é esta que se dirige aos olhos, como se lê já no oráculo de Isaías 52,13-53,12, cujo tema é a elevação por Deus dum “Servidor” anónimo condenado à morte e executado? O essencial do oráculo está saturado pela aparência. “O seu esmagamento foi para nós a cura”.
Só a cruz cura verdadeiramente porque só ela cura da morte. Cure-nos a árvore da cruz da irrisão, da frieza que gera a falta de compaixão, do amor de Deus sem o amor ao próximo. Se não era a serpente que curava mas apenas a sua imagem, também não é a cruz que é vista por nós, mas apenas a imagem da cruz, a imagem que traça em nós o Espírito a fim de que aqueles que odeiam, que se odeiam a si mesmos sem o saber, se curem. Hora das trevas sobre o mundo. Aquilo em que eles acreditam é na vitória sobre a morte, mas aquilo que os faz acreditar é a cruz, dizia Pascal. Cobre-nos a cruz com o seu silêncio de sangue. Cubra-nos também com o esplendor da manhã de Páscoa para recomeçar cada um o caminho da vida através da morte.
— JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, Luz Desarmada
A Palavra da Cruz
15.04.2017