Wittgenstein dizia que a filosofia, no fundo, deixava tudo como estava. Em relação a Deus acontece o mesmo. Deus não faz qualquer diferença em relação ao mundo — e se pensarmos que sim, que é um ser que interfere nele, que salva uns e deixa outros morrer, e por aí fora, estamos no terreno de uma fé que nos torna joguetes nas mãos de tal divindade. Mas, adoptando outra perspectiva, pode fazer toda a diferença. Há muitas imagens de Deus e é comum confundir-se a imagem com aquilo para o qual a imagem aponta, sem mistério nem incerteza. Nesse sentido, a imagem que é muitas vezes apresentada por ateus contemporâneos não corresponde a nenhuma imagem desenvolvida de forma profunda em qualquer tradição espiritual — muito menos a cristã, com a sua insistência no pensamento de Deus em-nós e entre-nós, como encarnação, comunidade, relação, trindade. Se o ateísmo rejeita qualquer ideia de um deus como chefe supremo, a melhor teologia já o fazia há muito tempo. E também nós o devemos fazer, sem pestanejar. A fé nasce da graça, do modo como participamos na vida divina, da vida que abre as portas à realização das potencialidades do ser (“Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”, escreveu Santo Irineu no seu Tratado Contra as Heresias). Não, não acredito “num Deus omnipotente que nos observa, escuta, que assiste ao sofrimento humano sem lhe por fim”. Acredito que Deus não é um ser, muito menos um ser absoluto, de poder ilimitado, mas ipsum esse subsistens, o próprio ser subsistente como articulou Tomás de Aquino ou o alicerce do ser como podemos ler na teologia de Paul Tillich, com o qual nos relacionamos de forma pessoal procurando viver amorosamente.