Clandestino, ma non troppo

21.09.2019

Não estou habituado a estas investidas e quem me conhece sabe como a Igreja é uma parte fundamental da minha vida. Dentro da Ordem Dominicana, é conhecida a minha opção política e também a de outros católicos. Proclamamos e vivemos a mesma fé, mas por vezes temos divergências políticas que se conversam respeitosamente à mesa, partilhando o pão e o vinho, numa comunhão que as diferenças não podem destruir. As reacções ao meu artigo “Razões de um Católico que Vota à Esquerda”, publicado no Pontos SJ, foram maioritariamente positivas. Houve quem se tivesse revisto no que eu escrevi e também quem agradecesse a simples demonstração de pluralidade. Na semana passada tinha sido publicado um artigo semelhante no mesmo portal, “Legislativas em Portugal – Pontos de Reflexão para o Voto”, assinado por outro católico, Nuno Alvim, com uma posição política assumidamente de direita. A essa opinião ninguém reagiu de forma agressiva, embora a sua leitura deixe bem claro que o autor entende que outros católicos tenham outros alinhamentos políticos. No meu texto, o mesmo entendimento é explicitado logo no segundo parágrafo. José Tolentino Mendonça parece ter tido razão quando disse que os católicos à esquerda em Portugal estão “numa espécie de clandestinidade”. Como expliquei no início do artigo de opinião, nunca me tinha sentido assim. Mas acabei por me sentir neste episódio que gerou comentários, postagens, e até emails de um pequeno grupo muito sonoro, não para discutir as razões que apresentei para votar à esquerda, mas para repetir esta coisa espantosa e inquisitorial: que um católico não pode ser de esquerda, só pode ser de direita. Hoje, reflectindo sobre tudo isto, lembrei-me de um artigo de um irmão da Ordem, frei Bento Domingues, “Por Opção da Mulher”, aquando do referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.