No Pentecostes, a humanidade fala de maneiras diferentes, mas isso não impede que cada membro da assembleia humana entenda o que se diz. Pelo contrário, favorece esse entendimento porque expressa, de formas distintas, a mesma raiz, a mesma rima. A humanidade em comunhão não precisa de tradução.
Says the Lord
For my thoughts are not your thoughts, nor are your ways my ways, says the Lord.— Is 55:8
Fé e Política
O frade dominicano Herbert McCabe (1926-2001), marcante professor de Blackfriars, Universidade de Oxford, é um dos teólogos que mais nos pode ajudar a pensar sobre a condição do cristão e a sua intervenção política. Num texto penetrante sobre a relação entre a política e a virtude, ele constata que os seres humanos organizam-se em grupos, associam-se, alguns tornam-se membros de partidos políticos. Mas há “uma comunidade à qual pertencemos simplesmente em virtude de sermos humanos”, à qual não nos juntamos, a qual não constituímos: “É uma comunidade que nos constitui.” Este parece-me ser o ponto de partida que um católico deve adoptar, independentemente da sua convicção política. McCabe disse mais do que uma vez que uma coisa era a sua fé cristã, outra coisa era a sua defesa do socialismo, da necessidade de superar os conflitos entre classes sociais e a exploração humana. Isso não quer dizer que não existam laços entre uma coisa e outra que a teologia política pode explorar — como pode investigar a relação entre a fé cristã e o liberalismo ou outras ideologias. A sua insistência neste ponto é uma forma de negar uma relação intrínseca ou uma confusão entre as suas esferas que só pode descambar na instrumentalização da fé ou da política ou de ambas. Infelizmente, há mais do que um exemplo recente desta instrumentalização em Portugal. Mas além de uma instrumentalização, trata-se também um estreitamento. Ouvimos isso quando alguns padres, pouquíssimos diga-se de passagem, falam do 25 de Abril ou do 1.º de Maio como algo “deles”, ao contrário das celebrações religiosas que seriam algo “nosso”, traçando fronteiras que a vida em sociedade desmente e a doutrina social da Igreja contesta.
No Teu Nome e na Tua Páscoa
O Laicado Dominicano de Maio de 2020 inclui um artigo meu com o título “No Teu Nome e na Tua Páscoa”. Mas há muito mais para ler neste número disponível aqui: a mensagem de Páscoa do Mestre da Ordem, entre outros textos de frades, irmãs, e leigos.
Árvore Plantada à Beira das Correntes
A anedota conta-se rapidamente. O Diabo provoca Deus dizendo que fechou as igrejas com a pandemia. Deus responde: “Abri uma em cada casa.” Só Deus sabe como nos tem feito falta a comunhão eucarística. Ao contrário do que algumas pessoas poderão pensar, a religião não existe sem materialidade e sem comunidade. Não é uma questão meramente individual, de crenças assumidas de mim para mim. A vida religiosa é um caminho como uma árvore, por vezes pouco linear, mas sempre acompanhado. A religião fomenta espaços humanamente valiosos de encontro, partilha, diálogo, amparo, força, vivência inter-pessoal em igualdade e fraternidade. Atravessar este tempo tem sido uma oportunidade para meditarmos sobre o modo como Cristo nos liga, nos congrega, e nos envia. Com o regresso das celebrações comunitárias às igrejas no fim deste mês, é bom não esquecermos o ponto mais fundo. Como ouvi da boca do fr. Filipe na homilia de hoje: não basta irmos à igreja, é preciso sermos Igreja. Ou como escreveu Mário Castrim no seu livro Do Livro dos Salmos, fruto da sua prática de fé nos Missionários Combonianos: “Árvore plantada / à beira das correntes. / Fruto na estação própria. / Folhagem que não murcha.”
Uma Voz Ponderada
Hoje, às 9h, o jornalista Joaquim Franco comentou a questão das celebrações do 13 de Maio em Fátima na SIC Notícias. Num contexto de tanta falsidade e irracionalidade, foi uma voz ponderada que desmontou, com calma e rigor, quaisquer comparações entre o 25 de Abril, o 1.ª de Maio, e o 13 de Maio. Corremos o risco de já ninguém se ouvir, de já nenhum diálogo ser possível, de não conseguirmos reconhecer a importância mas também a diferença de cada evento, criando falsas oposições e acicatando ódios. Corremos esse risco, mas por essa razão é que vozes como esta devem ser destacadas e valorizadas.
Comparar o Incomparável
Tenho dificuldade em entender os comentários de algumas irmãs e alguns irmãos da Igreja Católica. Foi a Igreja que decidiu suspender a celebração comunitária das Missas. É a Igreja que tem conversado com as autoridades para as retomar da forma mais segura. Comparar o 1.º de Maio (que nem sequer nos é estranho, porque é celebrado como o dia de São José Operário) com o 13 de Maio é confundir alhos com bugalhos. As iniciativas do Dia do Trabalhador foram organizadas pela CGTP-IN, que conta com muitos católicos nas suas fileiras. Cumpriu-se o decreto do Estado de Emergência e todas as indicações das autoridades de saúde. Esse cumprimento foi verificado pela polícia em todas as localidades, tal como está na lei. Já as celebrações em Fátima vão acontecer depois da vigência do Estado de Emergência. Se elas se vão fazer sem peregrinos é apenas porque a Igreja considera que o Santuário pode vir a ser um foco de contágio, isto é, julga não ter condições para garantir a organização e o controlo de menos peregrinos em vez da habitual deslocação massiva que costuma acontecer, não por qualquer imposição externa. Parece-me uma atitude sensata. Tal como foi sensata a solução encontrada ontem, tendo em conta as condicionantes e o dever de zelar pela saúde pública. Mas são duas coisas diferentes e com enquadramentos legais distintos.
Católicos Sindicalistas em Defesa da Justiça
A revista Família Cristã entrevistou-me para um artigo sobre dirigentes católicos no movimento sindical e falou também com Américo Monteiro, coordenador da Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhores Cristãos e meu camarada na CGTP-IN. Bem haja! Parte do artigo com o título “Católicos Sindicalistas em Defesa da Justiça” está disponível aqui.