Imaculada

08.12.2018

A imaculabilidade será apenas um fetiche religioso, se não for entendido como dom incondicional e combate permanente, coisa quotidiana celebrada em festa. Quer dizer que Maria era de Deus e de si. Assim se foi afirmando, sobretudo nos momentos decisivos, sem se deixar corromper nesse ser. Uma vida e uma vontade em que o divino e o humano se enlaçaram alegremente.

A Vida Consumida

14.10.2018

“Se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho”,[1] disse. Óscar Romero foi hoje canonizado pelo Papa Francisco. O bispo salvadorenho “deixou as seguranças do mundo, incluindo a própria incolumidade, para consumir a vida — como pede o Evangelho — junto dos pobres e do seu povo, com o coração fascinado por Jesus e pelos irmãos”,[2] ouviu-se em Roma. Foi morto a tiro por um dos esquadrões de morte de extrema-direita ao serviço dos latifundiários e grandes capitalistas de El Salvador quando celebrava Missa numa pequena capela em 1980. Romero permanece um exemplo radical de empenho pela justiça social que demonstra a diferença entre um simples revolucionário e um cristão revolucionário. O primeiro pode estar disposto a tirar a vida de alguém para transformar o mundo. O segundo só pode estar disposto a dar a própria vida para o mesmo fim. Assim foi Romero, aquele que proclamou no ano anterior ao seu assassinato: “Um cristão que se solidariza com a parte opressora não é um verdadeiro cristão.”[3] Crucificaram-no como a Jesus.

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[1] Óscar Romero, entrevista telefónica de José Calderón Salazar. Ver James R. Brockman, Romero: A Life (Maryknoll, NY: Orbis Books, 2005), 247-248.

[2] Papa Francisco, homilia “Santa Missa e Canonização dos Beatos: Paulo VI, Óscar Romero, Francisco Spinelli, Vicente Romano, Maria Catarina Kasper, Nazária Inácia de Santa Teresa de Jesus, Núncio Sulprizio”, Praça de São Pedro, 14 Out. 2018, http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/homilies/2018/
documents/papa-francesco_20181014_omelia-canonizzazione.html
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[3] Romero, homilia “Jesús es el verdadero Mesías: Vigésimo domingo del tiempo ordinario”, 16 Set. 1979, http://servicioskoinonia.org/romero/homilias/B/790916.htm.

Um Coração Cheio de Nomes

14.10.2018

Re-citação a partir da homília de hoje do pe. Paulo Simões na Capela da Universidade de Coimbra: “No final do meu caminho me dirão: — E tu, viveste? Amaste? E eu, sem dizer nada, abrirei o coração cheio de nomes.” (D. Pedro Casaldáliga).

A Política da Santidade na Ordem Dominicana

21.09.2018

Informações detalhadas sobre este encontro internacional aqui.

José Augusto Mourão, Errante da Palavra

17.09.2018

O novo número da revista Colóquio/Letras da Fundação Calouste Gulbenkian inclui um artigo assinado por mim sobre José Augusto Mourão, frade dominicano, professor e poeta. O volume Obra Seleta de José Augusto Mourão: O Vento e o Fogo, A Palavra e o Sopro, O Espelho e o Eco, coordenado por José Eduardo Franco, publicado no ano passado pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda, serviu de pretexto para este texto que levou o título “José Augusto Mourão, Errante da Palavra”. Muito agradeço o entusiasmo e o cuidado da Ana Marques Gastão.

Igreja do Pecado e da Santidade

01.09.2018

Na recente carta sobre os abusos sexuais de menores por parte de padres e bispos da Igreja Católica entre as décadas de 1940 e 1980, o Papa Francisco fala de uma “cultura de morte” e aponta o clericalismo como uma das raízes da actual crise. Lê-se nesse documento: “É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação activa de todos os membros do Povo de Deus. Além disso, toda vez que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas.”

O relatório do júri da Pensilvânia reconhece os progressos alcançados com medidas implementadas na Igreja. Mas não chega. O papel dos leigos é fundamental para que essa cultura não seja promovida, como aconteceu no processo desencadeado pela investigação do Boston Globe no início da década de 2000. A vertente mais perversa do clericalismo criou obstáculos à denúncia dos crimes, à protecção e apoio das vítimas, mantendo os abusadores a salvo da justiça porque não se queria confrontar membros da hierarquia (quando devem prestar contas do seu serviço) ou não se queria “manchar” a Igreja (quando a mancha já existia e foi alastrada). Esta é também uma crise de opacidade e abuso de poder. A Igreja não existe por si e para si, mas por causa do e para o Evangelho. Protegê-la da verdade é uma mentira sem futuro.

Podemos discutir se o celibato deve ou não ser obrigatório para padres e bispos. Considero que devia voltar a ser uma escolha individual. Mas associar essa obrigatoriedade à pedofilia é absurdo por dois motivos: arreda essa perversão do campo da saúde mental e escamoteia o facto de a maior parte dos casos de pedofilia acontecerem no espaço familiar sem que esses abusadores sejam celibatários. O que é certamente necessário é apertar e aperfeiçoar o escrutínio de quem pretende entrar para o seminário.

É preciso saber o que nos move, no mais profundo de nós mesmos. Os séculos estão povoados de escândalos e crises na Igreja. Cremos na Igreja santa, mas ela não é santa por causa da santidade dos seus ministros ordenados ou de outros elementos da Igreja. Ela é santa por causa de Cristo. É Cristo que a santifica. Não fazemos parte da Igreja por causa desta ou daquela pessoa, deste ou daquele membro, mesmo do Papa, bispo de Roma, primeiro entre pares. Não a abandonamos pela mesma razão. Estamos na Igreja porque estamos unidos em Cristo — e é com essa força que superaremos esta crise para nos mantermos fiéis àquilo que nos faz comunidade eclesial.

Labirintos da Vida

26.08.2018

O pão, o vinho, labirintos da vida.
Corpo de Deus, milagre do nosso corpo, Páscoa de Deus nossa Páscoa!

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “O Pão e o Vinho”

Justice and the Common Good

16.08.2018

To begin with, for Aquinas, if a human society is to be a just one, it must be ordered to the common good, that is, the good for everyone in that society. According to Aquinas: “The further a government recedes from the common good, the more unjust that government is.”

Law (that is, just law, the only sort Aquinas recognizes as genuine law) also must be ordered to the common good. Laws which aim not at the common good but at the advantage of the lawgiver, or which impose burdens unequally on persons in the community, are acts of violence rather than laws. Furthermore, in explaining why custom generally has the force of law, Aquinas says that, for a free people, the consent of the people represented in the custom counts more than the authority of the sovereign does, since the sovereign of a free people has the power to frame only such laws as represent the consent of the people.

ELEONORE STUMP, Aquinas

Doem-nos as Palavras

12.07.2018

Morrem-nos pessoas com quem passamos muito tempo. A morte cava silêncios, mas não tenho jeito para despedidas.

Faleceu há poucos dias um antigo estudante meu, Johny Vieira, que veio do Brasil para estudar na Universidade de Coimbra. Tinha 28 anos quando o cancro o levou. Era um rapaz de uma fé convicta em Cristo, que manteve até ao fim, pelo que dizem as pessoas mais próximas. Viveu nesse amor. Morreu nesse amor. A notícia atingiu-me, e às amigas e aos amigos dele em Portugal que por aqui foram deixando memórias e pêsames, como um murro no estômago. Que não nos abandone a força que o animou.

A próxima Colóquio/Letras publica um artigo meu com o título “José Augusto Mourão, Errante da Palavra”. A publicação do volume Obra Seleta de José Augusto Mourão: O Vento e o Fogo | A Palavra e o Sopro | O Espelho e o Eco (INCM, 2017) serviu de pretexto. Agradeci o convite, mas foi difícil escrever o texto — e, no entanto, foi uma dificuldade que me fez bem enfrentar e superar. O José Augusto foi meu colega de departamento na Universidade Nova de Lisboa e vivia como frade dominicano no Convento de São Domingos, onde me habituei a ir às celebrações da Eucaristia ao domingo. Ele marcou de modo decisivo o meu percurso de vida adulta. Se não me tivesse cruzado com ele, não sei se seria o professor e o investigador que sou hoje. Não seria, certamente, membro da família dominicana como leigo. Enfim, falo sobre tudo isso no artigo porque me pareceu que, sendo eu a falar, não devem faltar outras pessoas com histórias semelhantes. Assim ultrapassei, por um momento, o sentido de reserva que me continua a nortear. Permiti-me falar sobre mim apenas porque estava a falar sobre outra pessoa e, mais do que isso, sobre uma comunidade de pessoas. A morte dele ocorreu em 2011, pouco antes de me mudar para Coimbra. A celebração das Exéquias no Convento foi a mais bela celebração a que assisti naquela que, já nessa altura, ensaiava sentir e viver também como a minha casa. A folha de cânticos, com versos litúrgicos do José Augusto, terminava com um poema dele:

Deus, doem-nos as palavras
dói-nos a voz para dizer
que o nosso irmão deixou de
estar no meio de nós

dá-nos a força
para atravessar esta hora de lágrimas
e a ele a estrada
que percorreu como um cavalo alado
vagabundo e livre

reveste-o da intensidade e da alegria
que lhe marcava o porte e o rosto

The Love of God

23.04.2018

For God, the creator and manipulator of the world, cannot himself, it seems, be other than a vast omnipotent baby, unable to grow up, unable to abandon himself in love. Nietzsche, and, from a different starting point, Karl Marx, saw that to accept this God was to accept a kind of slavery. However kind and good God might be, we were ultimately his servants; perhaps well­ treated servants or slaves, perhaps slaves compassionately forgiven and rewarded with the life of heaven, but still fundamentally slaves. If you believe that the essence of the human is freedom then you cannot accept this benign slave-master of a God. The heart of modern atheism, certainly the heart of Marxist atheism, lies in the rejection of this master-slave relation­ship. God is not rejected because he is evil or cruel but because he is alienating and paternalist; he is rejected not in the name of human happiness but in the name of human freedom.

Now to a Christian the interesting thing is that this God who is rejected by the modem atheist is in fact pre-christian. It is just this God that is abandoned first by the Ten Commandments and then by Jesus. The central thing that Jesus says is something he says about himself; it is that the Father loves him. His primary announcement is that the Father is, after all, capable of love, that after all God has grown up. God is capable of love and he, Jesus, is the object of that love. Of course God cannot love the creature as such, there could be no foundation of equality there. But Jesus announces himself as the beloved of the Father and this reveals a depth in him that is beyond creaturehood. To say that Jesus is divine and to say that God is capable of love is to proclaim one and the same doctrine. Any unitarian view of God, or Arian view of Christ, immediately destroys the possibility of divine love — I mean divine love in the serious adult sense. We are left with a benign dictator, what Bishop John Robinson in Honest to God called a “Top Person”. It is only the doctrine of the divinity of Christ (and thus the doctrine of the Trinity) that makes possible the astounding and daring idea that God can after all genuinely love. He is in love with the Son, and the exchange of divine love between them is the Holy Spirit.

HERBERT MCCABE, OP, God Still Matters

Ipsum Esse Subsistens

21.04.2018

Wittgenstein dizia que a filosofia, no fundo, deixava tudo como estava. Em relação a Deus acontece o mesmo. Deus não faz qualquer diferença em relação ao mundo — e se pensarmos que sim, que é um ser que interfere nele, que salva uns e deixa outros morrer, e por aí fora, estamos no terreno de uma fé que nos torna joguetes nas mãos de tal divindade. Mas, adoptando outra perspectiva, pode fazer toda a diferença. Há muitas imagens de Deus e é comum confundir-se a imagem com aquilo para o qual a imagem aponta, sem mistério nem incerteza. Nesse sentido, a imagem que é muitas vezes apresentada por ateus contemporâneos não corresponde a nenhuma imagem desenvolvida de forma profunda em qualquer tradição espiritual — muito menos a cristã, com a sua insistência no pensamento de Deus em-nós e entre-nós, como encarnação, comunidade, relação, trindade. Se o ateísmo rejeita qualquer ideia de um deus como chefe supremo, a melhor teologia já o fazia há muito tempo. E também nós o devemos fazer, sem pestanejar. A fé nasce da graça, do modo como participamos na vida divina, da vida que abre as portas à realização das potencialidades do ser (“Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”, escreveu Santo Irineu no seu Tratado Contra as Heresias). Não, não acredito “num Deus omnipotente que nos observa, escuta, que assiste ao sofrimento humano sem lhe por fim”. Acredito que Deus não é um ser, muito menos um ser absoluto, de poder ilimitado, mas ipsum esse subsistens, o próprio ser subsistente como articulou Tomás de Aquino ou o alicerce do ser como podemos ler na teologia de Paul Tillich, com o qual nos relacionamos de forma pessoal procurando viver amorosamente.

Sobre a Ressurreição

02.04.2018

Nota breve para amizades ateias. A Ressurreição no cristianismo não é a reanimação de um cadáver que produziu uma espécie de morto-vivo. Nunca se transmitiu isso na Igreja. Trata-se, antes, de uma nova criação, da criação de um novo corpo, espiritualmente renovado a partir daquilo que existia. Cristo está vivo connosco. Pelo menos que não acreditem naquilo em que, de facto, quem se diz cristão acredita. Recupero um excerto de um texto do fr. Bento Domingues, OP, de 2004, “Ressurreição e Insurreição”:

Jesus passou a sua existência terrestre — segundo o que dela sabemos — numa insurreição permanente contra tudo o que degrada a vida humana. Essa insurreição era para ele uma questão de obediência à vontade de Deus e dela se alimentava. O Crucificado, o rejeitado por uma coligação de interesses, abriu, a todos, o caminho e o processo da ressurreição. Jesus, ao perdoar aos próprios inimigos, ao entregar nas mãos do Deus vivo aqueles que o entregavam à morte, consumou a sua insurreição contra tudo o que degrada e separa os seres humanos, isto é, o poder do ódio, o poder da morte. A partir daquele momento Jesus Cristo era, é e será para sempre uma vida dada. Que a celebração da Ressurreição de Cristo nos ajude a procurar os bons caminhos para vencer as raízes dos ódios que ensanguentam a terra.

Dominicanos: Arte e Arquitectura Portuguesa

18.03.2018

A exposição estará patente até 10 de Junho, com entrada gratuita das 16h às 19h de quinta-feira a domingo. Estão programadas visitas guiadas à exposição e ao convento, a 28 de Abril, a 26 de Maio, e a 9 de Junho, e uma conferência a 12 de Maio, sempre às 16h, sendo que estas actividades estão sujeitas a inscrição para expoarquiteturadominicanos@gmail.com.

Sair da Noite, Entrar na Aurora

21.02.2018

O Laicado Dominicano de Dezembro de 2017/Janeiro de 2018 contém um artigo assinado por mim sobre as XIV Jornadas da Família Dominicana.

Knowing God

29.01.2018

Satisfy your demand for reason always but remember that charity is beyond reason, and that God can be known through charity.

FLANNERY O’CONNOR, The Habit of Being

A Condição Comum de Maria

07.01.2018

Subdesenvolvimento extremo o de Nazaré, onde as tarefas eram, de manhã à noite, uma luta incessante pela vida.

Porque Maria não devia somente lavar e remendar os vestidos, mas tecê-los. Não só tecê-los, mas, antes disso, fiar. Devia não só fazer o pão, mas, antes, moer o trigo e, sem dúvida, rachar ela mesma a lenha para as necessidades do lar, como fazem ainda hoje as mulheres de Nazaré. A Mãe de Deus não foi rainha em reinos deste mundo, mas esposa e mãe de operários. Ela não foi rica, mas pobre. Tal devia ser, com efeito, a condição do Homem-Deus que ela teve, por missão única, de gerar e introduzir na história humana. [...] Era preciso primeiro que ela partilhasse com Ele da condição laboriosa e oprimida que foi a da massa dos homens a resgatar, ‘dos que trabalham e estão sobrecarregados’ (Mt 11,28).

RENÉ LAURENTIN, A Questão Marial