Antão do Deserto disse: “A nossa vida e a nossa morte é com o nosso vizinho.” Não nos esqueçamos desta verdade.
A Grande Noite
Lágrimas, não. Lágrimas, não. A sério —
Enfim, não digo que. É natural. Mas pronto. Adeus, prazer em conhecer-vos—
Filhos, sejamos práticos, sadios.Nada de flores. Rigorosamente.
Nem as velas, está bem? Se as acenderem
Sou homem para me levantar e vir
soprá-las, e cantar os “parabéns”.Não falem baixo: é tarde para segredos.
Conversem, mas de modo que eu também
oiça, e melhor a grande noite passe.Peço pouco na hora desprendida:
Fique eu em vós apenas como se
Tudo não fosse mais que um sonho bom.— MÁRIO CASTRIM, uma semana antes de falecer
O Caminho que Ninguém Percorre
Excerto de um eloquente texto patrístico, uma homilia atribuída a Macário, bispo:
Ai do caminho que ninguém percorre, em que não se ouve uma voz humana, porque depressa se converte em asilo de animais! Ai da alma por onde o Senhor não passa, fazendo ouvir a sua voz para afugentar as feras espirituais da maldade! Ai da terra que não tem agricultor para a trabalhar! Ai do barco sem timoneiro: batido pelas ondas e tempestades do mar, acaba por naufragar.
Whoever Belongs to the Truth Listens to My Voice
So Pilate said to him, “Then you are a king?” Jesus answered, “You say I am a king. For this I was born and for this I came into the world, to testify to the truth. Everyone who belongs to the truth listens to my voice.”
— Jo 18:33-37
Eternal Words
“Heaven and earth will pass away, but my words will not pass away.”
— Mk 13:31
Uma Mensagem de Apoio à Greve Geral
O pe. Constantino Alves, da Liga Operária Católica, explica neste breve texto disponibilizado pela CGTP-IN por que razões apoia esta greve geral:
Porque é um direito dos cidadãos recorrerem à greve, quando há problemas laborais graves ou os direitos sociais básicos são postos em causa e foram esgotadas outras formas para a sua resolução.Porque neste momento o desemprego, a precariedade e a desregulamentação laboral avança como um buldózer demolidor, que além de privar as pessoas do direito ao trabalho e à dignidade, base de sustentação e realização, provoca uma angústia e um sofrimento a milhões de pessoas em Portugal.
Porque o empobrecimento cresce avassaladoramente, a fome é já uma realidade, a austeridade e os sacrifícios impostos, de forma desigual, não têm contribuído para a resolução dos gravíssimos problemas que enfrentamos.
Porque o Estado Social, conquista civilizacional, instrumento e expressão da solidariedade numa sociedade tem vindo a ser reduzido, apostando-se em modelos societários assentes no liberalismo têm acentuado escandalosamente as desigualdades sociais.
Porque a Greve Geral se enquadra numa consciência nacional de exigência de outro modelo de desenvolvimento e de novas políticas que levantem a confiança e a esperança.
Porque como cristão devo estar sempre do lado dos mais pobres e oprimidos, independentemente das organizações, partidos ou governos que promovem as iniciativas.
Um Poema para Amanhã
Um ofício que fosse de intensidade e calma
e de um fulgor feliz E que durasse
com a densidade ardente e contemporâneo
de quem está no elemento aceso e é a estatura
da água num corpo de alegria E que fosse fundo
o fervor de ser a metamorfose da matéria
que já não se separa da incessante busca
que se identifica com a concavidade originária
que nos faz andar e estar de pé
expostos sempre à única face do mundo— ANTÓNIO RAMOS ROSA, “Um Ofício que Fosse de Intensidade e Calma”
Religião: Diálogo, Política, Preconceito
Fui convidado a participar e vou apresentar uma comunicação chamada “As Exigências do Evangelho: Gustavo Gutiérrez e a Dimensão Política da Teologia” sobre o pensamento do frade dominicano que deu origem à teologia da libertação. O programa completo pode ser consultado aqui. As inscrições podem ser feitas aqui.
Na Intimidade de Deus
A partir de 1Rs 17,10-16, Heb 9,24-28, e Mt 5,3:
Neste domingo da Semana XXXII do Tempo Comum preparamo-nos para acolher Cristo no nosso coração. Nunca estamos realmente preparados e, no entanto, ele oferece-se sempre como se ofereceu no sacrifício da cruz, rasgando um horizonte para a transformação da humanidade. A nossa disposição pode ser diferente se virmos uma entrega semelhante noutras pessoas — como as duas viúvas, cuja generosidade não tinha limites, de que nos falam as sagradas escritas que vamos escutar. O bispo Martinho, que hoje relembramos, deu um testemunho idêntico quando, já muito doente, resolveu um conflito entre clérigos e trouxe a reconciliação. Viver assim, uma vida dedicada e atenta ao próximo, é viver na intimidade de Deus.
Como uma Pergunta
Como um Deus incompreensível
confundido pela própria argumentação
perguntando: “Onde é que eu ía?”Como uma pergunta
a que só é possível responder
com novas perguntas.Como vozes ao longe discutindo:
“Alguma vez deste ordens à manhã,
ou indicaste à aurora o seu lugar?”Como um filme
em que tudo acontecesse
na escuridão do espectador.Como o clarão da noite única
e vazia abraçando pela cintura
a jovem luz do dia.— MANUEL ANTÓNIO PINA, “Com Job, Sob o Céu de Calar Alto”
Uma Só Alma
Se tem algum valor uma exortação em nome de Cristo, ou um conforto afectuoso, ou uma solidariedade no Espírito, ou algum afecto e compaixão, então fazei com que seja completa a minha alegria: procurai ter os mesmos sentimentos, assumindo o mesmo amor, unidos numa só alma, tendo um só sentimento; nada façais por ambição, nem por vaidade; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós próprios, não tendo cada um em mira os próprios interesses, mas todos e cada um exactamente os interesses dos outros.
— Fl 2, 1-4
Para edificar a paz, é preciso, antes de mais, eliminar as causas das discórdias entre os homens, que são as que alimentam as guerras, sobretudo as injustiças. Muitas delas provêm das excessivas desigualdades económicas e do atraso em lhes dar remédios necessários. Outras, porém, nascem do espírito de dominação e do desprezo das pessoas; e, se buscamos causas mais profundas, da inveja, desconfiança e soberba humanas, bem como de outras paixões egoístas.
— CONCÍLIO VATICANO II, Gaudium et Spes
A Fé Resolve-se Numa Promessa
José Tolentino Mendonça sobre a fé e o seu sabor:
Muitas vezes, para explicar o que é a Fé, vou buscar a imagem de Delacroix sobre o encontro noturno de Jacob e o Anjo. Volto a ela repetidamente porque, na espécie de teologia visual que ali se constrói, encontro o realismo, a lucidez e a consolação que a maior parte dos discursos teóricos não nos dá. No fundo, o que é que nos diz?Diz-nos que a Fé é uma experiência inseparável da história de cada um. No jogo da Fé expomos o nosso corpo como Deus expõe o Seu; tocamos e somos tocados, num encontro sem armaduras nem artifícios. A presença é sempre reclamada por inteiro. E as presenças que mutuamente se entregam (a de Deus e a nossa) inauguram um presente.
Depois, diz-nos que a Fé, mesmo quando se desenha com percurso ao sol, não deixa de ter uma condição noturna. A Fé integra necessariamente um estado de pergunta, de incerteza, de maturação e de caminho. Não se trata de uma marcha por evidências, mas de uma sucessão de começos ancorados na confiança.
E por fim, mostra-nos que a tensão da Fé se resolve numa promessa, num abraço, numa dança. E não apenas como realidade projetada num além, mas já no aqui e agora saboreada.
Despertemos (com Todos os Santos)
Que aproveitam aos Santos o nosso louvor, a nossa glorificação e até esta mesma solenidade? Para quê tributar honras terrenas a quem o Pai celeste glorifica, segundo a promessa verdadeira do Filho? De que lhes servem os nossos pane-gíricos? Os Santos não precisam das nossas honras e nada podemos oferecer lhes com a nossa devoção.
Realmente, venerar a sua memória interessa nos a nós e não a eles.
Por mim, confesso, com esta evocação sinto me inflamado por um anelo veemente.
O primeiro desejo que a recordação dos Santos excita ou aumenta em nós é o de gozar da sua amável companhia, de merecermos ser concidadãos e comensais dos espíritos bem aventurados, de sermos integrados na assembleia dos Patriarcas, na falange dos Profetas, no senado dos Apóstolos, no inumerável exército dos Mártires, na comunidade dos Confessores, nos coros das Virgens; enfim, de nos reunirmos e nos alegrarmos na comunhão de todos os Santos.
Aguarda nos aquela Igreja dos primogénitos e nós ficamos insensíveis; desejam os Santos a nossa companhia e nós pouco nos importamos; esperam nos os justos e nós parecemos indiferentes.
Despertemos, finalmente, irmãos. Ressuscitemos com Cristo, procuremos as coisas do alto, saboreemos as coisas do alto. Desejemos os que nos desejam, corramos para os que nos aguardam, preparemo nos com as aspirações da nossa alma para entrar na presença daqueles que nos esperam. Não devemos apenas desejar a companhia dos Santos, mas também a sua felicidade, ambicionando com fervorosa diligência a glória daqueles por cuja presença suspiramos. Na verdade, esta ambição não é perniciosa, nem o desejo de tal glória é de modo algum perigoso.
Ao comemorarmos os Santos, um segundo desejo se inflama em nós: que, tal como a eles, Cristo, nossa vida, Se nos manifeste também e que nos manifestemos também nós com Ele revestidos de glória. É que de momento a nossa Cabeça revela Se nos não como é, mas como encarnou por nós, não coroada de glória, mas rodeada dos espinhos dos nossos pecados. Envergonhemo nos de sermos membros tão requintados sob uma Cabeça coroada de espinhos, à qual por agora a púrpura não proporciona honras mas afronta. Chegará o momento da vinda de Cristo; e já não se anunciará a sua morte, para sabermos que também nós estamos mortos e que a nossa vida está escondida com Ele. Aparecerá a Cabeça gloriosa e com ela resplandecerão os membros glorificados, quando Ele transformar o nosso corpo mortal e o tornar semelhante ao corpo glorioso da Cabeça que é Ele mesmo.
Desejemos pois esta glória com total e segura ambição. Mas para podermos esperar tal glória e aspirar a tamanha felicidade, devemos desejar também ardentemente a intercessão dos Santos, a fim de nos ser concedido pelo seu patrocínio o que as nossas possibilidades não alcançam.
— S. BERNARDO DE CLARAVAL, OCist, Sermões