Ao (Des)Abrigo do Nome (5)
conduz-nos, Deus,
de questão em questão,
de fogo em fogo,
sem satisfações que ao tempo bastem
e a nós assombrem;
que passemos da catalogação
do que julgamos conhecer
ao poço dos enigmas infindáveis
onde o rosto é para sempre fundo,
desmentido, diferido
não nos mure a estrutura em espelho
que escamoteie a procura da verdade,
mas que o dom da tua palavra nos visite
como o canto do galo,
a lembrar o dia novo,
o perdão e a graça— JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “de questão em questão”
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Ao (Des)Abrigo do Nome (4)
seja o teu rosto
o brasão da casa,
a alegria, o mosto
na aflição, a asasejam os traços
do teu nome em fuga
o rebento, o laço
com o sol, a uvadá à nossa vida
a graça de ser
no corpo em partida
tendas de acolhere que ouçamos vir
o teu dia, o som
de paisagens verdes,
promessas do dom— JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “o rosto e a casa”
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Ao (Des)Abrigo do Nome (3)
esta é a mesa da nossa comunhão
o pão, o vinho e a memória
que cada um transportaesta é a mesa do nosso conhecimento
as bodas do nosso advir e da nossa páscoa:
o corpo de Deus ao nosso corpo dado— JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “comunhão”
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Ao (Des)Abrigo do Nome (2)
que te digamos, Deus
como o lugar-espelho
da união intrínseca dos contrários
e dos ritmosque te digamos como o rio
expondo a ideia
de uma identidade em mutação,
um veio em fuga
na textura polémica das coisasque te digamos
inscrevendo-nos
no arco da vida e da morte,
homens feitos algo infantesque te digamos
como a flecha que reúne
e abre um horizonte sem clausura,
como o possível do mundo que se contaque te digamos
no turbilhão do que permanentemente flui,
no que nos une e nos desune,
Deus, poeta das origens,
pedagogo da esperança e do amor
que em nosso peito arde
e que a memória do Espírito
cada instante reacende— JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “dicção de Deus”
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“Ao (Des)Abrigo do Nome”: (1)
Ao (Des)Abrigo do Nome (1)
Deus que vens de Deus,
horizonte da nossa linguagem e do nosso desejo;Deus que anunciamos
na espessura do que em nós é riso
e choro, ao mesmo tempo infiguráveis;Deus, instante fugaz
da sede e da fome saciadas, diferidas;que descubramos no corpo dos outros
os traços do bem que procuramos e perdemos;que a nossa vida te reconheça
pela maneira como por ti se vê reconhecida
na teia do que passa e permanece,tu que és aquele que há-de vir,
e Deus connosco— JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “Deus que vens de Deus”