Sobre os Votos dos Católicos

26.09.2019

Sobre os votos dos católicos, vale a pena ler com atenção o artigo do P. João Manuel Silva, SJ, “Informar, Discernir, Decidir”. Destaco esta passagem:

O número 76 da Gaudium et Spes (GS) lembra-nos que a Igreja “de modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político determinado”. Pelo contrário, o Concílio Vaticano II apela à responsabilidade pessoal na formação da própria consciência, reconhecendo a pluralidade de opções políticas: “muitas vezes, a conceção cristã da vida incliná-los-á para determinada solução, em certas circunstâncias concretas. Outros fiéis, porém, com não menos sinceridade, pensarão diferentemente acerca do mesmo assunto, como tantas vezes acontece, e legitimamente.” (GS 43) O mesmo número relembra que “a ninguém é permitido, em tais casos, invocar exclusivamente a favor da própria opinião a autoridade da Igreja” e termina convidando ao esclarecimento mútuo “num diálogo sincero, salvaguardando a caridade recíproca e atendendo, antes de mais, ao bem comum.”

Fé, Consciência, Voto

25.09.2019


Bombardeamento em Bagdade a 2 de Março de 2004 (Getty Images).

Saiu hoje um artigo de P. Gonçalo Portocarrero de Almada, “Razões de um católico que vota pela vida”, no Pontos SJ que menciona o artigo que escrevi para o mesmo portal, “Razões de um católico que vota à esquerda”.

Concordo com a ideia de que não é fácil encaixar a Doutrina Social da Igreja nas categorias de esquerda e direita, da mesma maneira que considero que o “ser de esquerda” necessita de ser qualificado e complementado. Foi o que tentei também fazer. Ao mesmo tempo, noto que não recebi contestações quanto às razões económicas e sociais que apontei para votar à esquerda, como já não tinha recebido dos mais ferozes críticos da minha publicação.

O que este novo texto invoca é a prioridade à dignidade humana, em particular a posição sobre o aborto e a eutanásia. Como escrevi no meu artigo anterior para o Pontos SJ, “A presença do Ressuscitado no mundo”: “É outra tentação, das tantas que nos cercam, olharmos para a política como uma tradução das nossas convicções religiosas ou para a religião como uma tradução das nossas ideias políticas.” Havendo relações de influência entre os termos, é pernicioso para a vida plural e complexa em sociedade confundir o religioso com o político e o moral com o legal.

Portocarrero de Almada escreve que “o actual líder de um partido dito da direita, também defende a eutanásia”, referindo-se ao PSD. Parece que só resta ao “fiel coerente” votar no CDS-PP.

Podemos reflectir sobre se as políticas desse partido não empurraram muitas mulheres para a decisão difícil e lancinante de interromper uma gravidez. Podemos meditar sobre se, sendo o aborto um mal indesmentível, o aborto clandestino não é um mal ao quadrado, um mal social que exigia uma resposta política em Portugal que essa força política se escusou a dar. Mas podemos também trazer à memória que na Assembleia da República o CDS-PP rejubilou com a Invasão do Iraque em 2003, a que o Papa e a Igreja, com os bispos dos EUA em destaque, se opuseram de forma clara precisamente invocando a dignidade humana. Trata-se aliás de um partido que apoia sistematicamente uma política internacional de guerra em vez de paz, feita de intervenções militares, operações de mercenários e terroristas, sanções económicas, embargos comerciais, que tem ceifado milhões de vidas. Infelizmente, a violência devastadora da guerra agressora não é chamada para as razões de um católico que vota pela vida.

Sem o CDS-PP como possibilidade, ou ficamos sem opções, ou afirmamos que há várias opções para um católico que reflicta sobre os princípios que derivam da sua fé e vote em consciência.

Clandestino, ma non troppo

21.09.2019

Não estou habituado a estas investidas e quem me conhece sabe como a Igreja é uma parte fundamental da minha vida. Dentro da Ordem Dominicana, é conhecida a minha opção política e também a de outros católicos. Proclamamos e vivemos a mesma fé, mas por vezes temos divergências políticas que se conversam respeitosamente à mesa, partilhando o pão e o vinho, numa comunhão que as diferenças não podem destruir. As reacções ao meu artigo “Razões de um Católico que Vota à Esquerda”, publicado no Pontos SJ, foram maioritariamente positivas. Houve quem se tivesse revisto no que eu escrevi e também quem agradecesse a simples demonstração de pluralidade. Na semana passada tinha sido publicado um artigo semelhante no mesmo portal, “Legislativas em Portugal – Pontos de Reflexão para o Voto”, assinado por outro católico, Nuno Alvim, com uma posição política assumidamente de direita. A essa opinião ninguém reagiu de forma agressiva, embora a sua leitura deixe bem claro que o autor entende que outros católicos tenham outros alinhamentos políticos. No meu texto, o mesmo entendimento é explicitado logo no segundo parágrafo. José Tolentino Mendonça parece ter tido razão quando disse que os católicos à esquerda em Portugal estão “numa espécie de clandestinidade”. Como expliquei no início do artigo de opinião, nunca me tinha sentido assim. Mas acabei por me sentir neste episódio que gerou comentários, postagens, e até emails de um pequeno grupo muito sonoro, não para discutir as razões que apresentei para votar à esquerda, mas para repetir esta coisa espantosa e inquisitorial: que um católico não pode ser de esquerda, só pode ser de direita. Hoje, reflectindo sobre tudo isto, lembrei-me de um artigo de um irmão da Ordem, frei Bento Domingues, “Por Opção da Mulher”, aquando do referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Razões de um Católico que Vota à Esquerda

19.09.2019

Um pouco em cima da hora, foi-me pedido pelo Pontos SJ um artigo de opinião sobre as minhas razões para votar à esquerda. Foi publicado hoje e pode ser lido aqui.

A Política do Poeta

09.09.2019

Miguel Marujo faz aqui a história do lado político do poeta que vai ser cardeal, José Tolentino Mendonça. Disse ele uma vez que “o catolicismo sem uma inscrição à esquerda perde uma potencialidade profética que lhe é absolutamente indispensável”.

LabOratório

04.09.2019

Ponto Cardeal

02.09.2019

Leio que José Tolentino Mendonça “chegou” a cardeal — assim, como se se tratasse de uma escalada. Julgo que o próprio não olha assim para esta nomeação. Cruzei-me com ele várias vezes e ele foi um dos oradores convidados da conferência Movement as Immobility: A Conference on Film and Christianity que organizei com a Rita Benis e a Filipa Rosário na Universidade de Lisboa em 2017. Nele encontrei sempre a mesma atitude abnegada de serviço, à margem do poder. Que continue a servir a Igreja e a humanidade, isto é, a fazer pulsar o desejo de futuro, através da cultura, do pensamento, do diálogo, e do encontro.