O Dia e a Noite do Vinho
Vinho cor do dia,
Vinho cor da noite.O vinho faz mover a primavera,
E cresce como uma planta da alegria.Vinho da vida, tu és também
Amizade entre os seres,
Transparência, abundância de flores.Que o bebam, que o recordem
Em cada gota dourada
Ou taça de topázio,
Que o outono trabalhou até
Encher as vasilhas de vinho,
E que o homem obreiro aprenda
A recordar a terra e os seus deveres,
A propagar o cântico fruto!— JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “Glosa sobre o Vinho”
A Horizontalidade da Cruz
Vertical sou contra Deus
Horizontal a favor.
Nesta cruz me crucifico
Vertical com desespero
Horizontal com amor.— NATÁLIA CORREIA, “Crucificação”
Da Hospedagem ao Encontro
A partir de Gen 18,1-10a, Col 1,24-28, e Lc 10,38-42:
Neste domingo somos convidados a meditar sobre a dimensão da hospedagem na nossa vida espiritual. Tal como para Abraão, é na abertura interessada, confiante, e pacífica que acolhe quem passa e precisa de ser acolhido que a nossa espiritualidade se engrandece e os sinais que emitimos ao mundo se elevam. Ao abrir espaço para que os outros se alojem onde vivemos, construímos uma nova morada com a fraternidade e a camaradagem. Cristo permanece neste espaço que nos une, anulando a distância que nos separa, tornando-nos simultaneamente conscientes da interdependência e da singularidade pessoal, isto é, das relações mútuas e das vontades íntimas que nos vão definindo. Quando Jesus visita as duas irmãs, Marta e Maria, a existência atarefada da primeira faz com que ela perca de vista o essencial. Marta age como uma criada, não como uma anfitriã, presa a obrigações que se acumulam e a apagam como ser humano e como mulher. Abre a porta a Jesus sem o chegar a acolher e ele lembra-a que o essencial é o encontro. Só o encontro, na igualdade e disponibilidade que implica, é fecundo, porque não nos deixa iguais ao que éramos antes nem nos permite saber quão diferentes seremos depois.
Tudo o que Tem Forma e Gosto de Pão
Pão como tu és simples e profundo
Conjunção de gérmen e de fogo
Tu és a ação do homem
Milagre repetido, vontade da vida.Semearemos de trigo
A terra e os planetas,
O pão de cada boca, de cada homem.O pão, o pão para todos os povos,
Tudo o que tem forma e gosto de pão:
A terra, a beleza e o amor.Tudo nasceu para ser partilhado,
Para ser dado,
Para se multiplicar...A vida terá também a forma de pão,
Será simples e profunda,
Inumerável e pura.Todos os seres terão direito
À terra e à vida,
E assim será o pão de amanhã,
O pão de cada boca, sagrado, consagrado,
Porque será o produto da mais longa
E da mais dura luta humana.— JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “Glosa sobre o Pão”
Recitamos Aquilo que Desconhecemos
Nesses teatros de água, ouvimos as ondas em voz alta
assistimos às tempestades de luz acometendo a face das coisas
e recitamos aquilo que com as mãos inquietas desconhecemos.— MANUEL GUSMÃO, “A Velocidade da Luz”
A Libertação para a Liberdade
A partir de 1Reis 19,16b/19-21, Gal 5,1/13-18, e Lc 9,51-62:
As leituras deste domingo põem-nos a pensar em Deus através da experiência da liberdade e da sua procura. Na raiz da nossa liberdade está a liberdade que nos precede e de que somos rebentos. No fim da nossa liberdade está a liberdade que procede de nós e de que somos autores. Eliseu ergue-se e junta-se a Elias. Há um espírito que o anima, atravessa, e é transmitido por causa desse gesto liberto e afirmativo. A partir da sugestão do salmo, podemos dizer que Deus é a sua herança. É de igual modo a nossa, quando nos deixamos guiar pelo sopro da libertação. Colocamo-nos fora de nós sem que isso nos apague. Rejeitamos o que nos fecha em nós e participamos na vida do mundo e na sua transformação, contribuindo para a justiça e a paz. “Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou”, declara Paulo. Os discípulos de Jesus acompanham-no sem saber para onde vão e sem terem onde reclinar a cabeça, apenas com um projecto de anúncio que os orienta e fortalece. O reino que eles anunciam é aquele que constroem.