A Relação

29.07.2013

O Dia e a Noite do Vinho

29.07.2013

Vinho cor do dia,
Vinho cor da noite.

O vinho faz mover a primavera,
E cresce como uma planta da alegria.

Vinho da vida, tu és também
Amizade entre os seres,
Transparência, abundância de flores.

Que o bebam, que o recordem
Em cada gota dourada
Ou taça de topázio,
Que o outono trabalhou até
Encher as vasilhas de vinho,
E que o homem obreiro aprenda
A recordar a terra e os seus deveres,
A propagar o cântico fruto!

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “Glosa sobre o Vinho”

A Horizontalidade da Cruz

28.07.2013

Vertical sou contra Deus
Horizontal a favor.
Nesta cruz me crucifico
Vertical com desespero
Horizontal com amor.

NATÁLIA CORREIA, “Crucificação”

Bento Domingues, OP, “Paciência com Deus (3)”

27.07.2013

S. João da Cruz, o místico da noite escura da alma, deixou-nos um desenho da Crucificação, visto de cima, a perspectiva do Pai que inspirou a pintura de S. Dali. Visto de cima, esse momento tenebroso assume um aspecto bastante diferente: a derrota é vitória… é a morte da morte. O ser humano não cai numa escuridão infindável, regressa à luz. A fé cumpriu a sua missão de peregrina, para se dissolver no reino do amor.

Nós ainda estamos a caminho. A fé cristã — ao contrário da religiosidade natural, fácil e despreocupada — é sempre uma fé em processo de ressurreição. Encontra-se em fases muito diversas, ao longo das nossas vidas. O comentário irónico de que a fé é uma muleta para fracos e coxos, dispensável pelos fortes, pode ser, apenas, um expediente de conversa. Prefiro a metáfora de cajado do peregrino, que todos somos.

Bento Domingues, OP, “Paciência com Deus (2)”

22.07.2013

O próprio autor manifesta as preocupações que o levaram a escrever. Conta que, certo dia, viu na parede da estação do metro, em Praga, a inscrição: “Jesus é a resposta”, provavelmente escrita por alguém no regresso de alguma fogosa reunião evangélica. Outra pessoa acrescentara, com toda a propriedade: ”Mas qual era a pergunta?”

Isto fez-lhe lembrar o comentário do filósofo Voegelin: para os cristãos o que mais conta não é terem as respostas certas, mas terem-se esquecido de qual era a pergunta, para a qual eles próprios eram a resposta. Há que confrontar perguntas e respostas para devolver um verdadeiro sentido às nossas afirmações. A verdade acontece ao longo do diálogo. Temos de passar de respostas aparentemente definitivas para infinitas interrogações. Ter fé significa passar para uma caminhada infindável, entrar para o coração do inesgotável mistério, poço sem fundo.

Da Hospedagem ao Encontro

21.07.2013

A partir de Gen 18,1-10a, Col 1,24-28, e Lc 10,38-42:

Neste domingo somos convidados a meditar sobre a dimensão da hospedagem na nossa vida espiritual. Tal como para Abraão, é na abertura interessada, confiante, e pacífica que acolhe quem passa e precisa de ser acolhido que a nossa espiritualidade se engrandece e os sinais que emitimos ao mundo se elevam. Ao abrir espaço para que os outros se alojem onde vivemos, construímos uma nova morada com a fraternidade e a camaradagem. Cristo permanece neste espaço que nos une, anulando a distância que nos separa, tornando-nos simultaneamente conscientes da interdependência e da singularidade pessoal, isto é, das relações mútuas e das vontades íntimas que nos vão definindo. Quando Jesus visita as duas irmãs, Marta e Maria, a existência atarefada da primeira faz com que ela perca de vista o essencial. Marta age como uma criada, não como uma anfitriã, presa a obrigações que se acumulam e a apagam como ser humano e como mulher. Abre a porta a Jesus sem o chegar a acolher e ele lembra-a que o essencial é o encontro. Só o encontro, na igualdade e disponibilidade que implica, é fecundo, porque não nos deixa iguais ao que éramos antes nem nos permite saber quão diferentes seremos depois.

Tudo o que Tem Forma e Gosto de Pão

20.07.2013

Pão como tu és simples e profundo
Conjunção de gérmen e de fogo
Tu és a ação do homem
Milagre repetido, vontade da vida.

Semearemos de trigo
A terra e os planetas,
O pão de cada boca, de cada homem.

O pão, o pão para todos os povos,
Tudo o que tem forma e gosto de pão:
A terra, a beleza e o amor.

Tudo nasceu para ser partilhado,
Para ser dado,
Para se multiplicar...

A vida terá também a forma de pão,
Será simples e profunda,
Inumerável e pura.

Todos os seres terão direito
À terra e à vida,
E assim será o pão de amanhã,
O pão de cada boca, sagrado, consagrado,
Porque será o produto da mais longa
E da mais dura luta humana.

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, OP, “Glosa sobre o Pão”

Promessa Temporária OP

20.07.2013

Bento Domingues, OP, “Paciência com Deus (1)”

08.07.2013

Ninguém pode, no entanto, ser proibido de imaginar o mundo divino segundo os recursos das suas tradições culturais e religiosas, com a liberdade e ousadia criadoras dos artistas de cada época. A beleza do livro de Rebecca Hind resulta da recolha esmerada de expressões artísticas na diversidade do mundo religioso. Nesta imensa diversidade, nenhuma obra pode pretender ser a expressão adequada de Deus e muito menos a sua fotografia. A verdadeira arte não fecha o mundo. Sugere universos que não cabem em conceitos e representações definidas. Não fixa, abre a imaginação. Fruto de uma grande viagem, este livro ajuda a visitar mundos que nunca podem ser circunscritos. Apenas modestamente sugeridos.

Entre todas as artes, aquela que menos distrai do infinito divino, por absoluta ausência de referente, é a grande música. A de J. S. Bach nasceu para nos dar o sentimento de Deus e dos mistérios cristãos. K. Barth prometeu que, ao chegar ao céu, iria pedir aos anjos para tocarem Mozart. Eduardo Lourenço, como sempre, sabe escrever destas coisas como ninguém.

Recitamos Aquilo que Desconhecemos

03.07.2013

Nesses teatros de água, ouvimos as ondas em voz alta
assistimos às tempestades de luz acometendo a face das coisas
e recitamos aquilo que com as mãos inquietas desconhecemos.

MANUEL GUSMÃO, “A Velocidade da Luz”

Bento Domingues, OP, “Pobreza Escandalosa e Pobreza Virtuosa”

01.07.2013

O profeta é um clarividente, um lúcido que procura que todos vivam com lucidez. O seu propósito não é ter poder, mas contribuir para que o povo e os governantes não se enganem, não enganem, nem se deixem enganar. Descubram onde está a verdadeira vida. Para o autêntico profeta, a paz é filha do direito, da justiça, da verdade e da sabedoria.

A figura do Messias, pelo contrário, é a de quem resolve, de forma “teocrática”, milagrosa, os problemas económicos, sociais e políticos. O Messias é um caudilho que manipula a opinião pública para conseguir e manter o poder. Os textos evangélicos encaram as tentações messiânicas como diabólicas: não deixam Deus ser Deus, nem os seres humanos responsabilizarem-se pela sua história. Deus é um tapa buracos e os seres humanos paus mandados de forças obscuras.

Jesus só foi reconhecido Cristo (Messias),— aliás um Messias crucificado —, porque venceu a tentação caudilhista. Defendeu a causa dos pobres, denunciou a idolatria do dinheiro e os ricos avarentos, provocou a conversão dos “zaqueus”, dispondo-os a restituir os frutos da corrupção, sem nunca se tornar sectário.

A Libertação para a Liberdade

01.07.2013

A partir de 1Reis 19,16b/19-21, Gal 5,1/13-18, e Lc 9,51-62:

As leituras deste domingo põem-nos a pensar em Deus através da experiência da liberdade e da sua procura. Na raiz da nossa liberdade está a liberdade que nos precede e de que somos rebentos. No fim da nossa liberdade está a liberdade que procede de nós e de que somos autores. Eliseu ergue-se e junta-se a Elias. Há um espírito que o anima, atravessa, e é transmitido por causa desse gesto liberto e afirmativo. A partir da sugestão do salmo, podemos dizer que Deus é a sua herança. É de igual modo a nossa, quando nos deixamos guiar pelo sopro da libertação. Colocamo-nos fora de nós sem que isso nos apague. Rejeitamos o que nos fecha em nós e participamos na vida do mundo e na sua transformação, contribuindo para a justiça e a paz. “Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou”, declara Paulo. Os discípulos de Jesus acompanham-no sem saber para onde vão e sem terem onde reclinar a cabeça, apenas com um projecto de anúncio que os orienta e fortalece. O reino que eles anunciam é aquele que constroem.